Thursday, September 27, 2007

Wednesday, September 26, 2007

Fragmento XI

Entrei no circo
Sou a prima da bailarina
O pai dela é domador.
Eu cuspo fogo e faço malabarismos.
O público agradece.
A cada um o seu ofício.

Feliz sou com a minha arte
- quando os deuses me sorriem.

Sarah Bernhardt, 1877


Sunday, September 23, 2007

Declinações do poder

Eu sei Eu consinto Eu não posso
Tu sabes Tu pactuas Tu podes
Ele sabe Ela revolta-se Ele não pode
Nós sabemos Nós consentimos Nós não podemos
Vós sabeis Vós pactuais Vós podeis
Eles e elas sabem Elas revoltam-se Eles não podem

Anésia Pinheiro Machado, 1922


Tuesday, September 18, 2007

Sombras buscando corpos, se os achamos
Como sentir a sua realidade?
Com mãos de sombra, Sombras, que tocamos?
Nosso toque é ausência e vacuidade.

Fernando Pessoa, No Túmulo de Christian Rosenkreutz

Para o Actor

Ensimesmado no teu castelo alcandorado,
símbolo encarnado
de um deus - mistério que nunca vi,
através de ti toco o infinito,
o desejo nunca corrompido,
sem objecto, metafísico,
sexo puro.

Algures vago, vegeto,
entre bruma e nevoeiro
navego,
vou ao teu encontro.
Nunca te despiste.
Através de uma cortina
visiono as tuas sombras
e se ao morrer arranco
os véus que te cobriam
não me lamento se descobrir
que uma vez mais fui enganada.
E que por detrás e por diante
e pelos lados das sombras - projectos
que criaste
não havia nada, nem sombra de nada,
nada, nada,
apenas um corpo abjecto e perecível.

Monday, September 17, 2007

Friday, September 14, 2007

Escadaria Fugitiva

A menina voltou
A menina está triste
Dorme enrolada nos seus cobertores
O regresso é imprevisto.
O olho da serpente
enlaçado no pescoço.

Abandonada
a casa verde
dormita
escondida entre os pinhais.

Ela e o caminho
caíram por uma ribanceira.

O corpo jaz
despojado pela areia.
Afogado.

Sonâmbula, a alma vagueia
O mar, sempre o mar
em ondas
rebenta nos rochedos.

Madredeus - O Pastor

Wednesday, September 12, 2007

Um dia no campo, França, 1946. Realizador: Jean Renoir


Jacques Brel Les Bourgeois 1962 English subtitles

Os burgueses

A pequeno-burguesa saiu de sua casa
enfarpelada nas suas vestes de domingo,
vestido de seda, pérolas a condizer com o vestido,
artificiais e brancas.
Vai muito bonita, rosadita e fresca.
É loira, tem olhos verdes
e se eu pudesse roubava-lhe um beijo,
a mão esquerda entre os seios,
a direita escorregando pela anca
e outras mãos que eu não sei se tenho
para tocar os segredos escondidos
por debaixo do vestido
que me encanta e desconcentra
dos assuntos graves e sisudos,
coisas entre nós, homens,
política futebolística,
a relação entre o coração e a lua,
quantos centímetros mede o peito da Madonna,
a velha guerra da Bósnia-Hergovina,
as exéquias do cineasta preferido,
e mais ainda, mais ainda, mais ainda...
os honorários, os horários, as contas,
as dívidas, os créditos, os bancos,
a respeitabilidade que me é devida:
sou um burguês honesto, benevolente e sério.

Tuesday, September 11, 2007

Henrique Pousão (1854-1889). Senhora Vestida de Negro, (s/d)


A Sombra

Houve um tempo em que fui menina e saía de casa com o meu vestido branco na esperança de que me visses passar. Arrancava uma flor, miosótis quase sempre, no jardim municipal e trazia-a entre os dentes na esperança de que me visses passar.
Enfeitei-me com um chapéu preto e até lhe pus um laço cor-de-rosa porque sabia que gostavas de rosas. E brincava com as lágrimas nos meus olhos porque sabia que gostavas de me ver chorar. Nunca me senti verdadeiramente triste. Amava-te demasiado e só pensar que existias bastava para eu ser feliz.
Depois cresci e aprendi que a justiça existia e tu não eras justo. Eras um homem do cerimonial arcaico, do triângulo equilátero. Eu era o teu corpo bastardo e apenas querias me dominar. Por isso incendiei a tua casa, pilhei os teus haveres e parti. Para nunca mais voltar.

Sunday, September 09, 2007

Confissões de um artista menor

Por volta do ano 12 da nova era, descobri, pela força das circunstâncias, que o trabalho assalariado era fonte contínua de infortúnios. No dia 7 de Maio desse ano concebi o projecto glorioso de escapar a esse destino vulgar e decidi que seria artista. Comecei então com energia, zelo e alguma preguiça a tomar as providências para a minha iniciação. A primeira coisa que fiz foi consultar o boletim metereológico. Soube então que ia chover. Munida de um estetoscópio, adereço indispensável, fui ter com a população indígena decidida a descrever com pincéis e tintas a relação da chuva com as pulsações cardíacas. Efectivamente, as pessoas tinham um ar espapaçado e parecia que andavam com as baterias descarregadas. Solicitamente, convencia-as que o bicarbonato de sódio com duas gotas de cianeto era o melhor que havia para a indigestão, fenómeno a que a chuva predispunha em naturezas com electricidade negativa. Não me ligaram nenhuma. Fui para a igreja pregar: " Eu sou artista e tenho alma de poeta e Fernando Pessoa, ele mesmo, único nas suas diversas variações e fugas, veio do inferno para me iniciar!" Não me ouviram os peixes quanto mais as humanas criaturas. Desfiz o engano. Meti os pés pelas mãos. Foi tudo mentira. Entrei na fábrica. Faço parte da engrenagem. Pontapique. Pontapique. Pontapique. Pá. Pontapique. Pontapique. Pontapique. Pá! Quando é que esta merda vai acabar? Etecetera... Etecetera e tal... Etecetera...