Friday, February 22, 2008

Fragmento XLIV

O velho lobo escancarou as goelas. A agressão vinha do palco e espalhava-se em ondas pela velha sala dourada e vermelha, abarrotada de gente: "Com que então carneirinhos do pastor, abjectos e vis defensores da ordem estabelecida, quem nasceu por cima nunca pode vir abaixo. Viva o poder que nos permite viver no remanso calmo dos velhos hábitos!"
O público aplaudia com alguma má consciência. Afinal tratava-se do herói de um acontecimento remoto, mas que convém ainda discretamente celebrar: o 25 de Abril. Doía-me a alma. Tinha saudades da malta. Dos alegres e estúpidos que acreditaram sem razão que as coisas jamais poderiam regressar ao que foram antes do depois do antigamente.
Fecho os olhos, calo-me, não sei, nunca vi nada.

Narciza Felizarda, Crónicas de Antanho

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