Saturday, May 24, 2008

Colecta Literária* 9 (Jean Genet)

"Em Chatila, em Sabra, não-judeus massacraram outros não-judeus: o que é que nós temos a ver com isso?" Menahem Begin (na Knesset)

Ninguém, nem nada, nenhuma técnica narrativa poderão descrever o que foram esses seis mesese passados pelos feddayin nas montanhas de Jerash e de Ajlun, na Jordânia, sobretudo as primeiras semanas. Relatar os acontecimentos, estabelecer a cronologia, os êxitos e os erros da OLP, já outros o fizeram. O ar do tempo, a cor do céu, da terra e das árvores tudo isso pode ser descrito sem jamais dar a sentir a ligeira embriaguez, a caminhada acima do pó, o brilho do olhar, a transparência da relação existente não só entre os feddayin, mas entre eles e os chefes. Tudo, todos fremiam sob a copa das árvores, tudo ria e se maravilhava com essa vida tão nova para todos eles, e havia nesse frémito algo de estranhamente fixo, e emboscado, algo de reservado e protegido como alguém que reza sem palavras. Tudo era de todos. E cada um em si estava sozinho. Ou talvez não. Sorridentes esgazeados, em suma. (...)
A palavra "Palestinianos", esteja ela em título ou inserida no corpo de um artigo, ou num panfleto, - evoca-me logo os feddayin num lugar preciso - a Jordânia - e numa época facilmente datável: Outubro, Fevereiro, Março, Abril de 1971. Foi nesse sítio e nessa altura que eu conheci a Revolução palestiniana. A extraordinária evidência do que estava a acontecer, a força dessa alegria de existir tem também o nome de beleza.
Passaram-se dez anos e eu deles nada mais soube, a não ser que estavam no Líbano, os feddayin. A imprensa europeia falava do povo palestiniano com desenvoltura, ou mesmo com desdém. E, de repente, Beirute Ocidental. (...)
Conta-me S., em Beirute Ocidental, após a chegada dos israelitas: "Caíra a noite, deviam ser dezanove horas. De repente, uma grande barulheira de ferros, ferros e mais ferros. Toda a gente, eu, a minha irmã, o meu cunhado, corre à varanda. Noite de breu. De tempos a tempos, uma espécie de relâmpagos, a menos de cem metros. Como sabes, quase à nossa frente há uma espécie de P.C. israelita: quatro tanques, uma casa ocupada por soldados e oficiais, e sentinelas. O escuro. E o barulho da ferragem a aproximar-se. Os relâmpagos: umas tochas acesas. E quarenta ou cinquenta garotos dos seus doze ou treze anos a baterem em cadência nuns pequenos ferros, uns com pedras, outros com martelos ou qualquer outra coisa. Gritavam e ritmavam com força: La illah illah Allah, Lá Kataeb wa yahud. (Só Deus é Deus. Não aos Kataeb, não aos Judeus.)"

Jean Genet, Quatro Horas em Chatila, trad. Luiza Neto Jorge

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