Tuesday, February 19, 2008

Fragmento XLIX

Onde e quando tudo começou. Aqui. No coração doente. Nas palavras que nunca mais chegavam. Como se houvesses de facto morrido. Mal durmo e o mais ligeiros espasmo de vento é suficiente para me acordar. Suspeitei do teu suicídio, apesar de me dizerem que estás bem de saúde e, talvez, somente um pouco pálido. Há muitas formas de morrer e a mais banal não é a verdadeira, a de faca e alguidar, mas a outra, silenciosa e triste, desesperada e muda, que se recusa a falar.
Eras tão tímido que o silêncio em ti era melodia, interrompida por esparsos sorrisos e palavras meigas e tolas. E era porque fingias solicitude que eu acreditava que gostavas de mim.
- Levantaste-te, hoje, tão tarde minha querida! Ainda não se te acabaram as enxaquecas?
Louco que tu eras! Como se eu não fingisse tudo. As dores, a asma, numa espécie de candura histérica com que pretendia manter-te preso a mim.
Asfixia lenta como uma botija de gás aberta numa cozinha onde estivéssemos fechados, tu e eu. Batoteiro. Ralhavas-me e fingias tão bem como eu que não sabias do que se tratava.
A lealdade era em ti uma espécie de vício morno e cálido que te protegia de maiores tentações.
No gira-discos, ouço velhas canções cobertas de riscos e da poeira do tempo, faúlhas de velhas fogueiras, chamas mal apagadas, cicatrizes e feridas que ainda sangram...

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