Monday, November 12, 2007

Álvaro de Campos, Vilegiatura

...
Tuas mãos esguias, um pouco pálidas, um pouco minhas,
Estavam naquele dia quietas pelo teu regaço de sentada,
Como e onde a tesoira e o dedal de uma outra.
Cismavas, olhando-me como se eu fosse o espaço.
Recordo para ter em que pensar, sem pensar.
De repente, num meio suspiro, interrompeste o que estavas sendo.
Olhaste conscientemente para mim, e disseste:
"Tenho pena que todos os dias não sejam assim" -
Assim, como aquele dia que não fora nada...

Ah, não sabias,
Felizmente não sabias.
Que a pena é que, feliz ou infeliz,
A alma goza ou sofre o íntimo tédio de tudo,
Consciente ou inconscientemente,
Pensando ou por pensar -
Que a pena é essa...

Lembro fotograficamente as tuas mãos paradas.
Molemente estendidas.
Lembro-me, neste momento, mais delas do que de ti.
Que será feito de ti?
Sei que no formidável algures da vida,
Casaste. Creio que és mãe. Deves ser feliz.
Porque o não haverias de ser?

Só por maldade...
Sim, seria injusto...
Injusto?

(Era um dia de sol pelos campos e eu dormitava, sorrindo).
... .... .... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
A vida...
Branco ou tinto, é o mesmo: é para vomitar.

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