Friday, April 18, 2008

Notícia de Última Hora

A grande imperatriz do fado, Luzia Desdemonia Tzíngara, regressou hoje,13 de Junho, ao rincão natal.
A cantora, à chegada ao aeroporto da Portela, confessa à imprensa que durante o seu prolongado exílio no Japão sonhava, ininterruptamente, com o seu regresso à terra pátria, ocidente do ocidente.
Trajando um simples fato de burel, cinzelado com grande arte, Luzia declarou em confidência descarada aos jornalistas: "A minha alma está enterrada nesta cidade. Venho em peregrinação ao túmulo do meu pai. Encontrei todas as portas fechadas." Indagada sobre a sua participação no show de variedades: O Arrependimento da Filha Pródiga, previsto pela organização de Festas da Cidade, a artista diz não ter ainda chegado a nenhum acordo com os promotores do evento.
S.E.C., além de doutor em matemática, um dos mais potentes comentadores da actualidade, refere-se à voz da cantora como uma das mais puras expressões da elegibilidade da alma portuguesa - "archeologia do substractum ancestral" - eis como ele define em análise aturada, a letra e o espírito que soberanejam à cabeça do grande corpo de música desse animal falante que é língua portuguesa, poesia que a cantora mastiga em grandes sorvos. "Vivamente impressionado" - diz o crítico - "pela poderosa eloquência da grande fadista, mal solfejo as notas avulsas de um hino de gratidão (que o coração cala, mas a boca articula): belíssimo! super! indizível! É este o canto que avassala o homem. É o coração, grande motor, triunfando da inteligência, impávida meretriz."
"Que diabo diz ele?" perguntamo-nos todos. "Não se percebe tostão!".
Em confissão pungente prossegue a cantora: "Imaginai quão doloroso seria um definitivo adeus à pátria, onde acoimaram-me de maluca e pedinte! Eu não deixaria este país, em particular, Lisboa, onde para sempre perdi as doces e efémeras ilusões da minha juventude, agora fanada, sem estas últimas gotas baptismais com que vos salpico a mioleira."
"Que balde de água fria!": comentamos todos, entreolhando-nos.
"Porém, Deus é testemunha",continuou a artista, "eu corria atrás do meu destino. Hoje, liberta da tirania do destino, plenamente identificada com o meu destino, afirmo com a coragem que dá a lucidez sacrossanta dos vencidos: não sinto alegria em vos deixar! Não fertilizarei o solo de estranhas praias com os miosótis da amizade com que fui aqui, por alguns, festejada. A vós, queridas que tendes o coração mais doce que melaço! A vós, doutores, que vos refastelais em poltronas milenárias...rendo hoje o preito da minha mais sincera homenagem!".
Nós e a República Portuguesa, Cadernos de Divulgação Cultural,Ed. Caixa de Pandora, s.d.

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